Um dia desses alguém me perguntou sobre o uso da palavra estória. A pergunta era sobre uma frase em que estava escrito "mas isso é outra história" e essa pessoa queria saber se deveria usar o termo estória, já que não se tratava de algo "histórico".
Segundo o dicionário Michaellis:
es.tó.rias. f. História. (Apesar de alguns fazerem distinção
entre estória e história, recomenda-se apenas a última grafia, tanto no sentido
de ciência histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais
acepções).
Na ocasião eu apenas disse que não, que história estava certo e que 'estória' nãao era mais usada. Não me aprofundei na verdadeira concepção do termo, e fiz muito bem. Na verdade, sou do tempo em que aprendíamos que o termo estória era para identificar uma "estorinha" (sic), como as da carochinha. Já o termo história era para designar o desenrolar da vida de um povo ou de acontecimentos importantes.
Hoje resolvi pesquisar a respeito. Ai, ai, é difícil você perceber que passou anos pensando que algo era algo, e não era. Bem, devo reconhecer que eu não sabia (como a grande maioria das pessoas) que o termo 'estória' traz em si uma explicação muito maior do que informam os dicionários.
Segundo o Professor Pasquale Cipro Neto:
O caso de "história" e "estória" é uma das tantas maluquices da língua. O Aurélio registra "estória", mas diz que não se recomenda o uso. O Vocabulário Ortográfico Oficial também registra, mas, na prática, pouca gente tem coragem de usar. O melhor conselho parece ser o seguinte: use sempre história. ninguém poderá dizer que você está errado.
No site Nossa Língua Nossa Pátria há a explicação um pouco mais completa:
Esse 'brasileirismo' acaba sendo realmente desvendado pelo professor Cláudio Moreno no site Sua Língua, onde ele afirma:As palavras "estória" e "história" são aceitas por diversos autores, com significados distintos: - estória: exposição romanceada de fatos imaginários, narrativas, contos, fábulas; - história: para dados históricos, que se baseiam em documentos ou testemunhos. Estas duas palavras constam do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Mas o Novo Dicionário Aurélio da língua Portuguesa recomenda simplesmente a grafia história, nos dois sentidos. E o dicionário de Caldas Aulete refere-se à forma estória como um brasileirismo, isto é, apenas um aportuguesamento da forma inglesa "story".
Ainda temos a opinião do português José Neves Henriques no site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, onde diz que:Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional. (...) Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês.
Assim, creio que, (para quem estiver interessado, claro) trago aqui uma dica importante e muito útil: esqueçam a grafia 'estória', deixe-a no passado e divirta-se com histórias (da carochinha) ou com a história (do Brasil e do mundo). Afinal, se eu disser que vou contar "uma história" todo mundo vai entender que não estou falando de fatos. Aqui, devo fazer uma observação importante (ao meu ver):Não são sinónimos. É a mesma palavra com dupla grafia, e derivada do latim «historia(m)». No português medieval, escrevia-se historia, estoria, istoria, assim como homem, omé, omee (com til no 1.º e), ome. Compreende-se, porque a ortografia ainda não estava fixada. (...) É uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados. A estória só vem confundir as pessoas.Seria ridículo começarmos, por exemplo, a empregar homem para indicar o ser humano em geral, isto é, a espécie humana, a humanidade; e omem, para designar qualquer ser humano do sexo masculino(...)
“Os fatos não existem; existem apenas interpretações” dizia Nietsche.
“Os fatos são fátuos” dizia Max.
(onde fátuo significa "insensato, passageiro, fugaz")
Vou mais longe então. Os fatos não existem por si só, o que existem são histórias contadas por alguém, relatos de pessoas que talvez tivessem estado lá, durante o tal fato. O que existe é um amontoado de palavras dispostas por alguém que resolveu contar algo à sua maneira, com ou sem parcialidade, com ou sem verdade. Nesse registro do passado, sempre haverá a opinião de quem escreveu, mesmo que nas entrelinhas, mas haverá a sua visão do fato. Assim, toda a história poderia ser chamada de estória, já que não sabemos, e nunca saberemos, até onde vai a verdade do que está sendo contado - isso, é claro, se não tivéssemos chegado à conclusão de que o termo estória nem sequer deveria existir.
E é isso!
4 comentários:
Muito bom seu texto!
Me enriqueceu...
Trocando idéias:
"os fatos não existem..."
Sim, bravo, mas digo:
-Os "Fatos" existiram, mas eu não posso contar a vós, não mais fatos seriam.
Abraço
Sarmento, RJ.
Alguém conta algo. Outro replica: - Estória.
Alguém conta algo. Outro replica: - Isso é estória pra boi dormir.
Meu filho me pede: - Pai, me conta uma estorinha pr'eu dormir?
Um professor diz: - As estórias de Harry Potter impressionam, mas não passam de estórias.
Os argumentos contrários são fortes, mas ainda fico com estória e história.
História é uma só... precisamos nos render aos fatos, ou correremos o risco de "abrasileirar" o desnecessário...
Esta versão está certa e coloquei um link para o meu blog, realmente a culpa é de Guimarães Rosa
http://historiasdasementinha.blogspot.com.br/p/historia-x-estoria.html
Postar um comentário