Páginas

domingo, 5 de novembro de 2006

O sexo dos Plânctons

"Na minha frente, ficamos nos olhando. Eu também dançava agora, acompanhando o movimento dele. Assim: quadris, coxas, pés, onda que desce, olhar para baixo, voltando pela cintura até os ombros, onda que sobe, então sacudir os cabelos molhados, levantar a cabeça e encarar sorrindo. Ele encostou o peito suado no meu. (...)
Eu queria aquele corpo de homem sambando suado bonito ali na minha frente. Quero você, ele disse. Eu disse quero você também. Mas quero agora já nesse instante imediato, ele disse e eu repeti quase ao mesmo tempo também, também eu quero. Sorriu mais largo, uns dentes claros. Passou a mão pela minha barriga. Passei a mão pela barriga dele.
(...)
Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre para dentro.
(...)
E fomos saindo colados pelo meio do salão, a purpurina da cara dele cintilando no meio dos gritos.
(...)
A música era só um tumtumtum de pés e tambores batendo. Eu olhei para cima e mostrei olha lá as Plêiades, só o que eu sabia ver, que nem raquete de tênis suspensa no céu. Você vai pegar um resfriado, ele falou com a mão no meu ombro. Foi então que percebi que não usávamos máscara. Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor é a única emoção que não usa máscara. Não sentíamos dor, mas aquela emoção daquela hora ali sobre nós, e eu nem sei se era alegria, também não usava máscara. Então pensei devagar que era proibido ou perigoso não usar máscara, ainda mais no Carnaval.
(...)
Brilhávamos, os dois, nos olhando sobre a areia.
(...)
Bem de perto, olhei a cara dele, que olhada assim não era bonita nem feia: de poros e pêlos, uma cara de verdade olhando bem de perto a cara de verdade que era a minha. (...)
Feito dois figos maduros apertados um contra o outro, as sementes vermelhas chocando-se com um ruído de dentre contra dente.
(...)
O que você mentir eu acredito, eu disse, que nem marcha antiga de Carnaval. A gente foi rolando até onde as ondas quebravam para que a água lavasse e levasse o suor e a areia e a purpurina dos nossos corpos. A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico. A gente se afastou um pouco, só para ver melhor como eram bonitos nossos corpos nus (...) estendidos um ao lado do outro, iluminados pela fosforescência das ondas do mar, Plâncton, ele disse, é um bicho que brilha quando faz amor.
E brilhamos."
Caio Fernando Abreu, em Morangos Mofados

*************************************

"Em biologia marinha e limnologia chama-se plâncton (da palavra grega planktos, que significa errante) ao conjunto dos organismos que têm pouco poder de locomoção e vivem livremente na coluna de água (pelágicos), sendo muitas vezes arrastados pelas correntes oceânicas." Wikipedia

"Algumas espécies são bioluminescentes, ou seja, brilham na escuridão das profundezas, utilizando esta capacidade para afugentarem predadores ou atraírem parceiros sexuais."
Aquário Vasco da Gama

Li "Morangos Mofados" quando tinha uns 18 anos.
(Uma grande amiga me emprestou, com a indicação de ser uma leitura interessante. Tudo o que recebi dessa amiga sempre foi algo além
do que eu imaginava existir.
Depois, eu percebia que tudo aquilo já existia...
mas eu não sabia.
Ela então me mostrava essas coisas,
de uma maneira crua mas necessária.
Cresci muito nessa época!)

Esse trecho do livro, especificamente, é lindo!
A maneira com que ele (autor) descreve o encontro dos corpos é mágica.
Porém (ah, esse porém), sinto-me na obrigação de revelar que,
editei o trecho (propositalmente) para que ninguém,
que não tenha lido o livro, soubesse exatamente do que se tratava.
Nada acrescentei,
apenas exclui trechos ou palavras que pudessem "alertar"
a quem estivesse atento.

Bem, o trecho fala de dois homens.
Eu quis respeitar opiniões e valores ao excluir algumas palavras mas,
confesso, me senti uma ceifadora cruel.
O amor é, em toda a sua glória, livre de preconceitos! ...
Ou deveria ser!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, não sei como vim parar aqui...sabe qdo vc perde ( ou ganha) horas pesquisando coisas alem no google....encontrei essa pagina...surpresa...li os textos...gostei mto mesmo!

e quero ler morangos mofados...
parabens

Jéssica Silva
fadinhalip@hotmail.com